Por: CARLOS ROSA MOREIRA - 04/03/2025 17:45:33
O casal entrou no terraço do restaurante e sentou-se na mesa ao lado...
...Eu bebia uma cerveja e pensava vagamente em alguém, mas o casal chamou minha atenção. Ela devia andar pelos setenta. Usava um short e uma camisa larga. O short deixava à mostra as pernas pesadas e a camisa não escondia as dobras de gordura do abdômen.
— O que vai querer? - ela perguntou ao rapaz.
Ele olhava o cardápio.
- Tem aqui uma picanha compreta...
- Pode pedir.
O rapaz pediu o prato e a cerveja.
— Essa semana eu termino o embouço da parede - disse ele.
Ela concordou levemente com a cabeça e seu olhar percorreu as outras mesas, enquanto ele fazia observações sobre a massa a ser usada para o emboço. O garçom trouxe a cerveja. O rapaz se serviu e a serviu; antes que ela experimentasse, ele deu duas boas goladas. Então meus olhos se desviaram dela e passei a observá-lo. Era um rapaz escuro meio claro, com cerca de quarenta anos.
Acho que o Brasil é o único lugar no mundo onde o escuro pode ser claro. Vestia uma calça de padrão ousado de uma das grifes mais caras da zona sul; a camisa era francesa e calçava docksides.
O garçom chegou com a comida e serviu os dois. Ele baixou a cabeça no prato, garfo na mão direita e faca na esquerda. Os talheres passaram a funcionar em grande atividade, um junto ao outro, a faca juntando a comida no garfo, que era levado à boca continuamente, como os ferrões de uma incansável formiga que precisa destroçar sua presa com rapidez. Ela dava garfadas lentas e longas.
- Está bom? - ela perguntou.
Ele levantou um pouco a cabeça e respondeu sem parar de mastigar: "Muito bom"
Ele não precisava daquela pressa, mas é provável que durante toda a sua vida tenha tido somente um tempo para se abastecer de comida. E comer, estivesse onde estivesse, era isso: abastecer-se.
Ela terminou de almoçar o pouco que havia colocado no prato. Ele ainda continuou naquele frenesi de mexer garfo e faca como ferrões. Depois ela acendeu um cigarro, tragou e, vagamente, soltou a fumaça no ar. Ele palitava os dentes. Foi ele que perguntou:
- Vai querer que eu leve o carro amanhã pra revisão?
Aquilo é mole de fazer. Concessionária cobra uma grana.
Ela comentou alguma coisa sobre a garantia com a primeira revisão. Permaneceu em silêncio por alguns segundos, soltou duas baforadas e falou sem olhar para ele:
- Meu marido gostava de vir aqui aos sábados, antes do almoço. Trazia nosso cachorrinho, o cachimbo e o jornal. Tomava uma cerveja, sempre ali, naquela mesa.
Ele se virou para ver a mesa.
- Nós morávamos nesta rua, na esquina com a praia.
- Morava mal não, hein!
- É... faz muito tempo... Quer mais alguma coisa?
Vou pedir a conta.
- Pode pedir.
O garçom trouxe a conta.
— Você leva o carro? - ela perguntou já entregando a chave a ele. E saíram do restaurante de mãos dadas.