Por: CARLOS ROSA MOREIRA - 04/03/2025 17:30:07

VIDA VIVIDA

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Talvez o motivo tenha sido a brisa que mexeu com a moita de bambu e ocultou a única luzinha que podia ser vista daqui; ou este estupefaciente céu que faz lembrar um ditado de velhos marinheiros: "Céu sem nuvens e estrelas em brilho; Verás que a tormenta t

Ou ainda, sei lá, pode ser porque eu tivesse recordado uns versos em espanhol: ¿" Qué es poesia? - dices mientras clavas em mi pupila tu pupila azul. ¿Qué es poesia? ¿Y tu me lo preguntas? Poesia..¡¿ Eres tu!

Não sei o que foi... Sei apenas que pensei nos olhos de Silvia. Que não eram azuis, mas castanhos, claros, transparentes. Não desses castanho-claros como os dos lobos, mas um suave castanho brilhante, quase cinza. Era tão bonito o olhar além da cor! Quando ela me olhava, ainda que rapidamente, dava vontade de não mais tirar os olhos. Aquela luz no castanho parecia dizer:
— Venha! Há vida, há futuro, há amor!

Vejo os olhos de Silvia sorrindo. Um sorriso de quem ama a vida e gosta da luz que faz estreitar as pupilas. Silvia...

Nunca fomos além dos olhos. Ela nunca me disse "Venha!". Ficaram dois olhares, palavras meigas, uma energia boa e um convite docemente negado:
— Não posso... tenho namorado.
E depois só restou o ronco da moto. Silvia era uma amazona, intrépida e veloz.

Felizmente, guardei os olhos de Sílvia e a mensagem presente em sua luz. Sob este céu, com a brisa mansa que mexe e farfalha o bambuzal, envolto pela soledade e pelo silêncio de monastério deste lugar, penso na vida e a sinto plena, percebo que tenho muitas coisas. Tenho os olhos de Sílvia. E ocorre-me que tenho outros olhos, outras luzes que estreitam minhas pupilas, clareiam meus pensamentos, enriquecem cada minuto com tantos conhecimentos, tantos assuntos. São luzes de pessoas, de amigos e de amores, dos lugares por onde passei e vivi e sonhei, das aventuras, das leituras, de saberes, de feitos e façanhas de todos os tempos. Tenho luzes! Por isso, não estou só, não sinto a solidão monacal que me rodeia, pois o meu interior é iluminado. Há quem nenhuma luz possui nenhum olhar possui. Há quem só respira. Há quem precise de lâmpadas, de faróis, de motores e de ruídos. Olho para o céu, aprecio as estrelas que guardam todas as luzes porque tudo viram e tudo sabem; ouço a brisa perfumada pelo bambuzal confidenciar-me velhos segredos aos ouvidos; e, no silêncio, recordo inesquecíveis silêncios que marcaram a minha vida.

Silêncios entre dois olhares, silêncios do depois... E penso nos ternos olhos de Sílvia que nunca me disseram:
- Venha!

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